Alagoano da cidade de Atalaia, Odijas Carvalho de Souza nasceu em 21 de outubro de 1945, filho de Osano Francisco de Souza e Anália Carvalho de Souza. Era estudante de agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Liderança das mais ativas no movimento estudantil, inicialmente militante do Partido Comunista Brasileiro, estava sempre presente nas assembleias, passeatas e comícios relâmpagos. Participou do Congresso da UNE realizado em Niterói em 1967.
Vinculou-se ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Desenvolveu atividades políticas nos estados de Alagoas, Ceará e Pernambuco e, por isso, foi perseguido pelos órgãos de segurança do estado. Em consequência, abandonou os estudos universitários em 1967, passando a viver na clandestinidade, até sua prisão, vendendo livros e trabalhando como professor particular.
Odijas utilizava o nome falso de Hilton Alencar de Araújo e era conhecido também pelos codinomes de “Baiano”, “Ciro”, “Carlos” e “Pedro”. Seus contemporâneos e amigos o têm na memória como um jovem cativante, alegre que brincava carnaval ao lado de sua mulher Maria Yvone de Souza Loureiro e gostava de cantar os sucessos do momento.
Foi um líder amado e admirado pelos seus companheiros do PCBR. Um deles, Chico de Assis, ex-preso político, o homenageou em artigo publicado em um jornal local, 35 anos após a sua morte sob tortura nas dependências da então Delegacia de Segurança Social de Pernambuco: “Odijas era daqueles caras que diziam não conhecer o que o comum dos mortais chama de angústia, sendo dos poucos no Partido que insistiam em não ver a revolução como imposição imperiosa de um tormento, fosse social ou pessoal. Gosto disso. Vivo pela vida e luto pela vida, esbravejava, vibrando com a frase de efeito”.
CIRCUNSTÂNCIAS DE PRISÃO E MORTE
Odijas Carvalho de Souza foi preso em 30 de janeiro de 1971, por volta das 6h horas da manhã, na praia de Maria Farinha, município de Paulista, em Pernambuco, com Lylia da Silva Guedes, em uma ação de repressão aos membros do PBCR, pelos seguintes policiais civis da Delegacia de Segurança Social do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS – da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco: Edmundo Brito de Lima, Ivaldo Nicomedes Vieira, Izaias Alves da Silva e Severino Pereira da Silva. Ambos foram levados para as dependências do DOPS, na rua da União, no centro do Recife.
Carlos Alberto Vinícius Melo do Nascimento, outro preso político que já se encontrava no local, afirmou ter conversado com Odijas até cerca das 11h, quando chegou o titular da Delegacia, delegado José Silvestre. Iniciava-se o seu suplício.
Odijas Carvalho de Souza foi barbaramente torturado durante 17h seguidas: das 11h do sábado, 30 de janeiro, até 4h da madrugada do domingo, 31 de janeiro. Segundo os depoimentos de Lylia Guedes, Alberto Vinícius, Tarzan de Castro e Maria Cristina Rizzi, presos em celas contíguas, diversos policiais e delegados se revezaram nos espancamentos e torturas. Diante da extrema gravidade de seu estado físico, não restou alternativa aos seus algozes senão encaminhá-lo ao Hospital da Polícia Militar de Pernambuco, em 6 de fevereiro. Dois dias após o seu ingresso, em 8 de fevereiro de 1971, Odijas veio a falecer em consequência das torturas.
Convicto no seu objetivo de lutar contra a Ditadura Militar, o atalaiense bravamente resistiu as sessões de torturas, sem entregar uma informação sequer aos agentes da repressão.
A Certidão de Óbito, fornecido pelo Instituto de Medicina Legal do Estado de Pernambuco, com data de 10 de fevereiro de 1971, assinada pelo médico-tenente da Polícia Militar de Pernambuco Ednaldo Paz de Vasconcelos, consubstanciou uma falsa versão, constando como causa mortis “embolia pulmonar”. Não foi realizada, no entanto, perícia necroscópica no corpo de Odijas para averiguar a causa da morte. O seu falecimento foi divulgado em 28 de fevereiro de 1971, ou seja, 20 dias após sua morte, pelos jornais Diário da Noite e Jornal do Commercio. Odijas Carvalho de Souza foi sepultado como indigente, no Cemitério de Santo Amaro, no Recife, tendo o seu nome grafado como “Ozias” para dificultar a sua localização.
Os depoimentos de militantes que estavam presos no DOPS/PE no mesmo período desmentiram a versão divulgada à época e relataram as múltiplas torturas a que Odijas foi submetido pelos agentes policiais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco. Em depoimento público prestado à Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, em 18 de outubro de 2012, o militante e expreso político Carlos Alberto Vinícius do Nascimento declarou entre outras coisas o seguinte:
Vítima de circunstâncias semelhantes, apenas um pouco mais tarde, fim de 68, vi-me também obrigado a abandonar a Universidade e viver clandestinamente até ser preso em novembro de 1970 no interior do Estado do Paraná. Transferido para o Recife na primeira quinzena de janeiro de 1971, fui levado para a mesma Delegacia de Segurança Social, onde cerca de 20 dias depois, iria viver um dos acontecimentos mais dolorosos da minha vida. No dia 30 de janeiro de 1971, fui acordado cedo por grande movimentação. Desde a noite anterior, eu notara um movimento anormal de carros e viaturas saindo e chegando. Por volta das 7 horas da manhã, Odijas passou diante da cela onde me encontrava, conduzido por policiais que o colocaram numa cela vizinha, ele estava de calção de banho, camisa e descalço, os policiais saíram e então começamos a conversar, até aproximadamente às 11 horas quando, com a chegada do delegado Silvestre, iniciou-se o processo de torturas que culminaria com a morte de Odijas.
[…] Na entrada para o corredor em que se encontravam as celas, existe uma sala e foi nela que durante praticamente 17 horas seguidas, os torturadores se revezaram na tentativa inútil de obter de Odijas informações que levassem à localização de seus companheiros de militância política. Apesar da existência de uma porta de madeira isolando a sala do corredor, chegavam até nós os gritos de Odijas, o ruído das pancadas e das perguntas cada vez mais histéricas dos torturadores. Durante esse período, Odijas foi trazido algumas vezes até o banheiro; lá, era colocado no chuveiro por alguns instantes para logo em seguida retornar ao suplício. Uma dessas vezes, já durante a noite, ele chegou até a porta da minha cela e pediu-me que lhe emprestasse uma calça, porque suas pernas, principalmente a parte posterior de suas coxas, estavam em carne viva. Os torturadores, animalizados, se excitavam ainda mais redobrando os golpes exatamente ali. Ele vestiu a calça e continuaram com as torturas. Num determinado momento, a nossa tensão, angústia e impotência eram tão grandes que Tarzan2 , que estava aqui, resolveu contar os golpes e gritos sucessivos, lembro-me que a contagem passou dos 300! […]
Após o depoimento, Alberto Vinícius entregou ao coordenador da CEMVDHC o documento que subscreveu em 27 de outubro de 1978, quando ainda cumpria pena na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá, PE, denunciando as torturas e o assassinato de Odijas Carvalho de Souza. Na sua conclusão, o documento nomeia explicitamente os policiais responsáveis direta e indiretamente pela sua morte. São citados: o secretário de Segurança Pública, Armando Samico; o diretor do DOPS, Ordolito Azevedo; o delegado de Segurança Social, José Silvestre; o delegado de Roubos e Furtos, Carlos de Brito; o delegado de Acidentes, Aquino Farias; e os investigadores Luis Martins Miranda e Fausto.
Igualmente em depoimento público prestado à CEVMDHC, em 18.10.12, Tarzan de Castro que se encontrava igualmente preso no DOPS/PE por ocasião da prisão e do martírio de Odijas, narrou o que pôde testemunhar:
Bom, o Odijas que eu conheci já preso, jovem, vem chegando lá, como nós vimos, cheio de vida, exuberante. Pelas torturas a que ele foi submetido dias seguidos, eu acredito que talvez fosse um dos principais alvos dos repressores naquele momento, porque ele foi escolhido para ser o mais torturado e num determinado momento, eu tive muito acesso. Para não levá-lo para a cela dos companheiros seus, levavam ele para minha cela, então ele chegava arrebentado ali para descansar um pouco, para depois continuar a tortura e eu me lembro assim, de maneira como se fosse agora, ele pra mim falava assim ‘Companheiro, não estou aguentando, vão me matar, vão me matar, será que vão?’ – ‘Não, você não vai morrer, não vão te matar’. Eu vendo que ele não sabia que ia morrer, mas tudo indicava isso, e eu tinha que passar alguma coisa para ele. Então, eu tive essa convivência incrível desse diálogo com ele, me lembro como se fosse agora. Ele estava tão machucado, como disse o Vinícius aqui, ele estava sangrando nas pernas, ele tinha já usado a calça dele, mas mesmo a calça dele tinha sangrado toda. Ele teve que tirar aquela calça. Eu me lembro que no dia que levaram ele para o hospital, eu tirei a minha calça, fiquei de cuecas na prisão e ele foi com minha calça, porque a que o Vinícius tinha emprestado já não prestava, estava toda ensanguentada. Então, foi um barbarismo continuado que fizeram com ele, ele não tinha como resistir. Nenhum ser humano resistiria àquele volume de pressão.
Eu me lembro aqui, claramente, no corredor chegaram num determinado intervalo das torturas, o secretário de Segurança Pública, Dr. Samico e o delegado Silvestre e tinha um outro policial, não sei se era o Miranda, o Miranda era gigantesco e a gente só de ver ele já passava uma imagem, eu diria assim, de um tarado, de um celerado, de um sádico. Era incrível, parece que ele tinha prazer em se mostrar como torturador e eu chamei o secretário na minha cela: doutor, esse rapaz não vai resistir. Não é possível um ser humano resistir ao que estão fazendo com ele, as torturas que ele está sofrendo. Eu me lembro dessa frase do secretário, inclusive eu já expus isso em outros momentos, em outras situações: ‘que nada, isso é esparro dele’. Esparro, para quem não sabe o que é, na linguagem policialesca, é como se estivesse fazendo fita, é uma manha, é uma maneira de iludir, de passar uma impressão do que de fato não estava acontecendo. Isso foi um secretário, Doutor Samico, Professor Samico que me respondeu assim.
[…] O Vinícius já relatou aqui, eu já relatei isso antes em alguns lugares, batiam tanto, a voracidade de bater era tanta, de espancar, era todo tipo de espancamento pensável e os gritos, os urros que eu um dia comecei a contar. Contar as pancadas. Contava alto, eu falava alto, ali no DOPS, eu gritava, a gente contava 10, 20, 30, 40, 50, perdia de vista. Parece que, segundo ele disse aqui, chegar até a 300! Era pra matar, parece que era para matar.
Por sua vez, em depoimento prestado na Auditoria da 10ª Circunscrição Judiciária Militar em 6 de maio de 1971, Lylia da Silva Guedes, presa com Odijas Carvalho na manhã de 30.01.71, na praia do Janga em Paulista, declarou ter sido torturada no DOPS de Recife pelos investigadores Miranda e Raimundo, em dois dias consecutivos, quatro horas cada dia; que assistiu quando um outro prisioneiro era torturado, sendo tal prisioneiro de nome Odijas Carvalho de Souza; que o referido indivíduo se encontrava sentado, despido e era agredido por cerca de quinze pessoas; que a interrogada reconheceria cerca de dez dessas pessoas, entre estas: Miranda, Edmundo, Eusébio, Dr. Carlos de Brito, Oswaldo, Fausto, Rocha, Brito, sendo as torturas comandadas pelo Dr. Silvestre, atual Diretor do DOPS de Recife-PE; que em consequência das torturas Odijas Carvalho veio a falecer.
De todos os nominados por Alberto Vinícius como responsáveis direta ou indiretamente pela morte de Odijas Carvalho de Souza, apenas Aquino de Farias Reis encontra-se vivo. A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara procuraram ouvi-lo para prestar esclarecimentos complementares sobre as circunstâncias das torturas e morte de Odijas; uma vez que ele era delegado titular da Delegacia de Acidentes e, no sábado, 31 de janeiro de 1971, exercia a função de Delegado de Plantão, responsável por todas as delegacias.
No entanto, por duas vezes quando convocado a depor Aquino de Farias Reis, munido de atestado médico assinado pelo dr. Marcos Magalhães, alegou razões imperativas de saúde para não comparecer, tendo enviado, no lugar, esclarecimentos escritos. Nessas declarações, ele reconheceu a circunstância de ter estado de plantão no dia da prisão de Odijas, ocorrida em um dia de sábado, e que esteve com Odijas por duas vezes nesse dia:
a primeira vez, pela manhã, acompanhado pelo comissário de polícia José Roma, tendo conversado, cordialmente, por alguns minutos com o estudante Odijas, que apresentou bastante tranquilidade, surpreendente até para pessoa recolhida a instalações policiais; a segunda vez, antes ainda de deixar o prédio da Secretaria, fui à sala em que Odijas estava e lhe ofereci um livro (O Evangelho Segundo o Espiritismo) que durante o horário de almoço eu comprara, com esse objetivo, na livraria da Federação Espírita de Pernambuco. Na ocasião, Odijas, em tom de gracejo, perguntou: ‘está pretendendo me catequizar, Dr. Delegado?’ Posso afirmar que naquelas duas ocasiões nas quais estive com o estudante ele não aparentava qualquer condição anormal de saúde, sendo de acrescentar que, segundo fui informado, durante todo o meu plantão esteve isolado naquela sala.
Contra dr. Ednaldo Paz de Vasconcelos, o médico-legista que atestou a morte de Odijas como consequência de “embolia pulmonar”, o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, atendendo ao pedido contido na carta denúncia de Alberto Vinícius Melo do Nascimento e outros presos políticos presos na Penitenciária Prof. Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, instaurou inquérito administrativo para apurar as circunstâncias em que tal laudo foi produzido. O Processo Ético-Profissional recebeu o nº 03/79 e nele o dr. Ednaldo Paes de Vasconcelos constituiu o bacharel Boris Trindade como seu advogado. Em seu interrogatório, declarou às fls. 2: que do ponto de vista macroscópico o paciente não exibia sinais de violência exteriores; que o paciente, consciente como estava não referiu nas vezes em que o interrogado o atendeu, tivesse sido torturado. Que no atestado consignou simplesmente a causa mortis sem justificar os itens B e C do atestado porque não dispunha de elementos mais profundos. Que o interrogado, de um modo geral nos atestados de óbitos que costuma fornecer, não prestigia o preenchimento desses itens…
Em 13 de outubro de 1980, o presidente do Conselho Federal de Medicina do Estado de Pernambuco extinguiu o processo ante o falecimento do denunciado, sem que sua Certidão de Óbito fosse anexada aos autos.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CASO ATÉ A INSTITUIÇÃO DA CEMVDHC
A morte de Odijas Carvalho de Souza teve enorme repercussão no país e no exterior. O deputado Pedroso Horta levou o caso ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que, todavia, mandou arquivá-lo. O deputado Marcos Freire fez pronunciamento na Sessão da Câmara dos Deputados em 3 de junho de 1971 denunciando as circunstâncias da prisão, tortura, morte e sepultamento de Odijas. Em determinado momento, afirma que os indícios do crime de homicídio praticado mediante tortura eram evidentes pelos seguintes motivos:
a) Só no dia 28 de fevereiro pelos jornais do Commercio e Diário da Noite é que o secretário Armando Samico tornou pública a morte de Odijas Carvalho, alegando que o mesmo falecera de embolia pulmonar, isto é, vinte dias após seu sepultamento, o que tornava impraticável uma exumação do cadáver comprovadora da causa mortis;
b) Tornou pública a notícia, dentro de um noticiário oficial, com estardalhaço, alegando haver sido feita a descoberta de dois aparelhos, com a prisão de uma dezena de terroristas, inclusive Tarzan de Castro e sua mulher Maria Cristina Rumel que estavam asilados no Uruguai e teriam reingressado ao Brasil clandestinamente. Acontece que Tarzan de Castro e sua mulher sequer foram indiciados em qualquer inquérito, mesmo porque, embora o Dr. Samico dissesse nas entrevistas que eles estavam compondo e chefiando, por assim dizer, os aparelhos desbaratados, na verdade, ambos haviam sido presos pelas autoridades do IV Exército, meses antes da prisão de Odijas e Lilia. Com tal estardalhaço (dando o retrato de pessoas outras como terroristas, que sequer foram indiciadas em qualquer inquérito, como é o caso de Antônio Espiridião Neto) constatado com duas edições dos jornais acima citados (28 de fevereiro de 1971), pretendia tapar o sol com a peneira, iludir a opinião pública;
c) O enterro de Odijas foi feito por uma casa funerária oficiosa, por isso de propriedade de um sogro de um investigador do DOPS, acima qualificado (Edmundo Brito de Lima);
d) O corpo não foi entregue à família, como deveria ser, sendo que a esposa de Odijas, Maria Ivone de Souza Loureiro, estava presa no DOPS, quando o marido morreu e o Dr. Samico dizia à mesma que seu marido estava no Exército, preso, todas as vezes que ela indagava por ele, somente revelando que o mesmo morreu, no dia 2 de março, o que levou a mencionada presa, numa crise de choro, a fazer um pequeno escândalo no DOPS, denunciando, alto e bom som, que seu esposo tinha sido assassinado;
e) Odijas, segundo seus familiares, era um jovem forte e sadio, sem qualquer doença;
f) Odijas foi enterrado sem perícia tanatoscópica (laudo cadavérico, autópsia).
g) Cumpria ao Dr. Samico, caso Odijas houvesse morrido de doença natural, face o fato de se tratar de um preso político, de tornar pública sua morte, incontinentemente, entregando o corpo para exame às autoridades mais idôneas, para evitar, num futuro, qualquer sombra de dúvida. […]
A repercussão, entretanto, levou o Ministério da Justiça a solicitar informações ao então secretário de Interior e Justiça do Estado de Pernambuco, dr. José Paes. Este solicitou ao ex-secretário de Segurança Pública do Estado, Armando Samico informações que lhe foram prestadas em documento datado de 4 de junho de 1971, nos seguintes termos:
O terrorista Odijas, como se depreende do exposto e da documentação anexa, teve morte natural, com assistência médica. Como é normal em paciente internado em estabelecimento hospitalar o atestado de óbito foi dado pelo médico de plantão, que assistiu ao paciente no dia do óbito. […]
No Recife, como de resto em outras capitais brasileiras, vários terroristas presos apresentam-se doentes. Isto se deve, provavelmente, às condições de vida que levam. […] toda vez que um detido adoece, seja preso político ou não, é prontamente atendido pelo médico de plantão na SSP, e, quando necessário, encaminhado a um hospital.
Tem-se notado nas desarticulações de ‘aparelhos’ terroristas, que moças residentes nos mesmos servem como ‘mulheres do Partido’, atendendo aos reclamos sexuais dos rapazes. Não raras vezes surgem doenças venéreas. E, por estranho que pareça, esposas de uns às vezes deixam os maridos e logo se juntam a outros, como amantes, no mesmo ‘aparelho’.
O assassinato de Odijas Carvalho de Souza foi denunciado na Corte Interamericana de Direitos Humanos das Organizações dos Estados Americanos, tendo ficado registrado no Comunicado nº 1684 de 25 de junho de 1970. O relatório descreve, com detalhes, todas as circunstâncias da sua prisão, das torturas a que foi submetido e de sua morte. São citados nominalmente o secretário de Segurança Pública, os delegados e os agentes responsáveis por esses atos criminosos.
Odijas Carvalho de Souza foi reconhecido como morto político pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos em 2 de abril de 1996, no processo administrativo nº 0191/96. Seu caso é apresentado no Dossiê ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985), organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos; assim como no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade;
Em 2012, a Universidade Federal Rural de Pernambuco completou 100 anos de fundação. Como parte de suas atividades oficiais ocorridas em 9 de novembro foi realizada a rematrícula de Odijas como estudante do curso de agronomia durante o Seminário Pelo Direito à Memória, Verdade e Justiça Odijas Carvalho de Souza. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal Rural de Pernambuco instituiu Odijas Carvalho de Souza como patrono e uma placa em sua homenagem foi inaugurada na sede do DCE-UFRPE.
No Recife, no bairro da Macaxeira, nome da antiga Fábrica de Tecidos de Apipucos, conhecida também como Fábrica da Macaxeira, do grupo Othon Bezerra de Mello, foi dado seu nome a uma rua na Vila Buriti. O local foi escolhido pela prefeitura da cidade do Recife para homenagear os mortos e desaparecidos de Pernambuco porque nas imediações da localidade presos políticos eram levados para lá serem torturados
CONCLUSÕES E AÇÕES DA CEMVDHC
Diante das investigações realizadas e dos depoimentos colhidos, a Comissão Estadual da Verdade conclui que Odijas Carvalho de Souza foi morto em decorrência de torturas praticadas por agentes do estado de Pernambuco, ficando completamente comprovada a falsa versão de morte por embolia pulmonar, divulgada à época dos fatos. Essa ação foi cometida em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos praticadas pela ditadura civil-militar em Pernambuco a partir de 1964.
Os membros da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, representando a economista Maria Yvone Loureiro Ribeiro – que foi casada com o estudante Odijas Carvalho de Souza –, deram entrada numa ação com pedido de retificação do registro civil de óbito do estudante Odijas, distribuída para a Décima Segunda Vara de Família e Registro Civil do Recife.
O pleito teve a manifestação favorável da promotora de Justiça dra. Luciana Braga Vaz da Costa, representando o Ministério Público Estadual, e, por fim, foi julgado procedente pela juíza da Vara, dra. Andrea Epaminondas Tenório de Brito, retificando o assentamento do registro de óbito registrado no livro 51, às fls. 272, sob o nº 43390, nele consignando como causa mortis “homicídio por lesões corporais múltiplas decorrente de atos de tortura”.
Com informações do Arquivo Público de Pernambuco e Comissão Nacional da Verdade - Relatório - Volume III.
Confira os arquivos do Dossiê OCS - Odijas Carvalho de Souza