Se hoje a Capoeira é a expressão cultural brasileira mais praticada na cidade de Atalaia, isso muito se deve a um dos grandes capoeiristas do Estado de Alagoas, o atalaiense Rogério Cabral de Oliveira, o Mestre Pavão, que em 2018 completou 30 anos dedicados à modalidade. Com apenas 43 anos de idade, Mestre Pavão tem uma vida toda dedicada a Capoeira e ao desenvolvimento do esporte não só em Alagoas, mas também nas cidades pernambucanas de Caruaru e Garanhuns.
Na noite desta última de terça-feira, dia 13 de novembro, Mestre Pavão esteve em Atalaia, na Casa de Cultura, para receber mais uma homenagem da turma do Grupo Capoeira Brasil em Atalaia, do instrutor Alemão. Na oportunidade, o Mestre descreveu a emoção de completar três décadas de Capoeira colhendo os frutos de todo um trabalho iniciado por ele em Atalaia, em 1994.
“Comemorar esses 30 anos de Capoeira é passar um filme na minha cabeça. Você criança, adolescente, adulto e na Capoeira, colhendo frutos do que você plantou anos atrás. Nem imaginava que chegaria nesses 30 anos, pois nunca me preocupei em contar o tempo, o que eu queria era estar dentro da Capoeira. Comemorar essa data junto dos meus alunos, que eram crianças e hoje já adultos é muita emoção e no peito não cabe o coração de tamanha emoção. Foram tantas coisas que você passou, que você sofreu para correr atrás, para ir aos eventos e ficar tanto tempo longe de casa. A emoção é enorme e eu espero mais 30 anos, sempre nesse trabalho de multiplicador, não de quantidade, mas de muita qualidade”, destaca emocionado o Mestre Pavão.
Nem o forte preconceito enfrentado pela Capoeira na década de 80 foi capaz de diminuir o interesse do jovem Rogério, que em 1988, com apenas 13 anos de idade, não teve dúvidas em escolher praticar a Capoeira ao invés do Karatê, considerado esporte de elite e do qual chegou a frequentar algumas aulas.
“A Capoeira na minha época era muito marginalizada e meu pai não me deixava fazer parte. Me colocou no Karaté, esporte considerado mais da elite. Comecei na Capoeira escondido. Quando ia sozinho para as aulas de Karaté, eu desviava o caminho para frequentar as aulas de Capoeira. Achava bonito o toque, o canto, aquele movimento muito elástico. Diferente daquela coisa parada e mecânica que é o Karatê, a Capoeira é dinâmica”, comentou o Mestre.
Seu primeiro contato com a Capoeira aconteceu na Associação Capoeira Berimbau de Ouro (A.C.B.O), depois passando a se chamar Grupo de Capoeira Berimbau de Ouro (G. C. B. O.), do Mestre Caverinha. “Na minha primeira aula, estava sentado na entrada da academia e o Mestre chegou perto e me impressionou logo no primeiro movimento”, destaca Pavão. Foi no G.C.B.O que Pavão começou a dar as suas primeiras aulas, permanecendo por cerca de cinco ou seis anos.
Após esse período, conheceu o Grupo Molas do Mestre Lucas, na cidade de Aracajú – SE, onde teve a oportunidade de buscar mais conhecimentos. Ficou nesse Grupo por dois anos, mas tempo o suficiente para trazer coisas novas da Capoeira para o Estado de Alagoas. “Estava achando que tudo estava a mesma coisa todo dia e eu estava querendo coisas novas. Um amigo meu, o Pontes foi para Aracajú e abriu as portas para a gente ir lá conhecer. Comecei a viajar e ver que a Capoeira precisava de coisas novas”.
Ainda na capital sergipana, através do Mestre Cabeça, Rogério Pavão conhece o Grupo Capoeira Brasil, do qual faz parte há mais de 15 anos. Fundado em 14 de Janeiro de 1989, o Grupo Capoeira Brasil é uma Organização Cultural Internacional, reconhecido como um dos maiores Grupos de Capoeira do Mundo, com escolas em mais de 40 países. Ficou durante 13 anos na supervisão do Mestre Cabeça (USA). Trocou de supervisão, por motivos pessoais e desde 2009, estar na supervisão do Mestre Kim, de Fortaleza-CE.
Já na Capoeira Brasil, dava aulas na cidade de Maceió e difundir essa autentica expressão cultural brasileira em solo atalaiense era o próximo objetivo do hoje Mestre Pavão. Precursor da Capoeira no município, começou seu projeto no ano de 1994, na Casa de Cultura.
“Conversando com a minha tia Nadja Miranda, disse a ela da minha vontade de dar aulas em Atalaia, na Casa de Cultura. Minha tia falou e intermediou uma conversa minha com a Dona Vandete, que me cedeu o espaço. Quando vim pra cá, me informaram que havia tido umas aulas de um professor de Capoeira, mas na minha época ninguém praticava e eu consegui trazer muita gente da cidade para treinar na Casa de Cultura. Comecei esse trabalho em Atalaia do zero e posso dizer que a grande maioria dos atalaienses que treinaram a Capoeira foram alunos meus. Fiquei de 94 até 2014 dando aulas na cidade, nos Povoados, nas Escolas e nos projetos da cidade. Por isso, quando se fala em Capoeira em Atalaia, não tem como não lembrar do Pavão”, enfatizou o Mestre.
Cultura que enraizou forte no município, a Capoeira continua seu processo de expansão por todas as regiões de Atalaia, tendo hoje a frente um aluno do Pavão, o Instrutor Alemão. “Tenho um orgulho imenso disso. Apresentei a Capoeira aqui, do zero, em um período que ela era discriminada. A Capoeira é uma luta de resistência e posso falar que eu resisti e resisto até hoje, com alguns preconceitos e algumas discriminações. Hoje o que plantei, estou colhendo e temos aqui o instrutor Alemão, o instrutor Grilo, o professor Beto, o professor Tripa, o instrutor Elvis e vários graduados. Me sinto orgulhoso, principalmente nos eventos. Eles já estão dando aulas, já tem muitos alunos e eu vindo aqui só para participar e colaborar nas aulas deles. Eles estão na minha supervisão e sempre procuro estar ao lado deles, dando idéias e observando. E, todos eles, no horário que dou aula na Academia, estão comigo em Maceió participando das aulas”, comenta o Mestre capoeirista.
Atualmente o Mestre Pavão mantêm seu trabalho com a Capoeira diretamente nas cidades de Maceió e Marechal Deodoro onde é professor do Projeto Novo Mais Educação. Também atua na supervisão de vários de seus alunos, que são instrutores nas cidades de Atalaia, Capela, Satuba e nas cidades de Caruaru-PE e Garanhus-PE, com o professor Beto.
A Capoeira possibilitou também que o mestre Pavão conhecesse vários Estados brasileiros e até mesmo outros países da Europa, a exemplo de Portugal, Espanha e principalmente a França. “Fui através de intercambio, onde participei de eventos e dei aulas em Barcelona, Lisboa, Lyon, Paris e Marselle. Fiquei boquiaberto, pois era a capoeira me levando para locais onde eu só via em televisão, em filmes, em revistas. Também rodei o Brasil quase todo com a Capoeira”.
Nos dias 04 e 05 de agosto de 2017 chegou o grande momento de coroar tamanha dedicação e amor à Capoeira, com a formatura de Pavão como Mestre, em evento realizado na cidade de Fortaleza-CE. Torna-se assim o primeiro alagoano Mestre de Capoeira do Grupo Capoeira Brasil. “Comecei na Capoeira sem pensar em graduação, sem pensar que um dia poderia pegar a corda de Mestre. Eu só queria treinar, apesar de ter começado escondido. Depois, o meu pai foi o meu maior incentivador e viajava comigo”, comenta o Mestre Pavão.
Sobre o trabalho social da Capoeira, Mestre Pavão destaca o seu papel de inclusão. “O bom da Capoeira é que não tem cor, não tem situação financeira, não tem magrinho, gordinho, mulher, homem, criança ou adulto, Capoeira é para todo mundo. Quem bem souber, leia e pesquise sobre a Capoeira, que vai vê que ela é inclusiva, agrega todo mundo. Isso, sem falar das bolsas que nós damos, pois quando é muito carente, damos uniformes, levamos para as viagens. Buscamos trazer as pessoas que estão ociosas nas ruas e convidamos para treinar de graça, para mostrar que a capoeira tem muito a oferecer. Sempre falo que primeiro nós formamos cidadão, para depois formar capoeirista”.
Questionado se existiria um Pavão fora da Capoeira, o Mestre descarta essa idéia por completo. “Não me imagino fora da Capoeira. Eu não vivo da Capoeira, mas gosto muito da Capoeira. Me formei em Educação Física para melhorar a minha aula de Capoeira, a minha didática, a minha metodologia, respeitando a individualidade de cada um. Eu aprendi muito na Educação Física, dando aula. Fiz Educação Física pensando na Capoeira, buscando não só melhorar a minha metodologia, mas também entrar em locais que a Capoeira não entrava antigamente, como academias grandes e escolas particulares. Já tive a oportunidade de dar aulas em várias escolas, em vários locais grandes. Antigamente não existia isso”, comentou.
Pavão destaca também a participação cada vez maior das mulheres nas aulas de Capoeira. “Antigamente as mulheres não treinavam por causa da violência. Particularmente, sempre busquei melhorar isso, para que as mulheres pudessem participar e hoje são multidões de mulheres praticando a capoeira. O começo das aulas em Atalaia era só homens, por causa do preconceito, da vergonha e da discriminação. Começamos a convidar e hoje em dia temos uma grande quantidade de alunas mulheres”.
Por fim, o Mestre, grande exemplo para tantas gerações de crianças, jovens e adultos capoeiristas, projeta o que espera nesses próximos 30 anos de Capoeira. “Espero que todas essas crianças de Atalaia, Satuba, Marechal e Pernambuco, um dia possa estar dando aulas na minha supervisão. Eu vindo só para prestigiar o trabalho deles, ajudando o trabalho deles. Se Deus quiser, mesmo nos meus 73 anos, estarei vendo tudo isso que estou falando hoje. Vendo esses professores e esses instrutores todos Mestres”, completa o Mestre Pavão.
Para o capoeirista Ricardo Tenório, o Instrutor Alemão, o Mestre Pavão é um grande exemplo e uma importante ferramenta na formação de centenas de pessoas em Atalaia. “É um trabalho que agiu ou age diretamente na vida de várias pessoas, ensinando mais do que a arte da Capoeira, mas sim nos guiando para um caminho correto, formando cidadãos melhores, pessoas melhores e com objetivos e perspectivas melhores. Eu posso afirma, com toda a certeza, que se não fosse o Mestre, hoje eu não seria quem eu sou. Praticando a Capoeira com o Mestre Pavão desde 2004, estou completando 15 anos caminhando ao seu lado e hoje tenho a honra de dar continuidade a um trabalho iniciado por ele aqui em nossa cidade”, destacou o Instrutor Alemão, que é um dos principais nomes da capoeira em Atalaia.